Recentemente, uma história ganhou as redes sociais brasileiras e chamou a atenção de muitos: uma jovem mulher deu à luz a seu segundo filho, mas dessa vez em casa, no banheiro, sem sequer saber que estava grávida. A surpresa foi tão grande que ela só percebeu a situação quando uma cabeça de bebê já estava saindo de si, enquanto imaginava estar com gases, pela madrugada. Embora o caso tenha frequência raríssima, ele coloca em pauta um fenômeno até menos discutido que a gravidez psicológica, mas que existe: a gestação silenciosa.
A gravidez silenciosa é um fenômeno intrigante e várias perguntas foram levantadas por aí: Como é possível passar por uma gestação sem perceber? Quais fatores podem levar a essa situação? E quais os impactos para a saúde mental da mãe? Este artigo busca esclarecer esses pontos, ajudando mulheres a compreenderem melhor essa condição.
A gravidez silenciosa ocorre quando uma mulher passa pela maior parte ou pela totalidade da gestação sem saber que está grávida. Há que se lembrar que existe uma variação nas características dos sinais típicos da gestação. Algumas mulheres, por exemplo, podem ter ciclos menstruais irregulares ou ainda continuar menstruando em alguns meses da gestação, o que pode mascarar o atraso menstrual, um dos principais sinais para a mulher perceber que está grávida. Além disso, em certos casos, a mulher pode não sentir sintomas como náuseas ou aumento abdominal, que normalmente são associados à gestação. Além disso, algumas mulheres só descobrem que estão grávidas no momento do parto, tendo associado às movimentações fetais a outros sintomas. Esse último caso, como o da jovem brasileira, é mais raro, tornando a experiência ainda mais desafiadora.
Esse “despertar” repentino para a maternidade pode ser acompanhado por um sentimento de inadequação, já que ela não teve os meses de preparação física e emocional que normalmente caracterizam a gestação.
Embora pareçam semelhantes, gravidez silenciosa e negação psicótica da gravidez são bastante distintas . A negação ocorre quando a mulher gestante sofre de um transtorno psicótico, normalmente preexistente, e rejeita a ideia de estar grávida. Já na gravidez silenciosa, a mulher não percebe os sinais, muitas vezes devido a fatores fisiológicos ou psicológicos, mas sua interpretação da realidade está intacta, não se encontrando psicótica. Por fim, a ocultação da gravidez tende a ser consciente, pois a mulher, sabendo estar grávida, opta por esconder a gestação de familiares e outros.
Fatores de risco para a negação inconsciente da gravidez podem incluir idade, limitações intelectuais, isolamento social, baixo suporte social, abuso de substâncias, transtornos psiquiátricos ou menstruação irregular. Mas outros conflitos psicológicos podem resultar no silenciamento da gravidez, como por exemplo raiva do pai do bebê, sexualidade reprimida, proibições religiosas, problemas no relacionamento com a própria mãe, medo de abandono ou antecipação da perda da guarda do bebê. Alguns desses fatores de risco podem ser reconhecidos na trama do filme Crimes de Família, que recomendo muito.
Diante dos fatores citados acima (ou outros traumas particulares), a mente humana pode desenvolver mecanismos de defesa. Alguns desses mecanismos incluem:
A maior disseminação de informações sobre gravidez e saúde feminina também pode estar contribuindo para a conscientização sobre o tema, o que resulta em mais relatos e diagnósticos. Por outro lado, a maior facilidade de viralizar assuntos raros faz com que mais casos sejam expostos em redes sociais ao redor do mundo.
Alguns relatos na internet:
https://www.metropoles.com/sao-paulo/gravidez-silenciosa-jovem-hospital
Quando uma mulher se descobre grávida, os estágios para a adaptação da gravidez passam pela aceitação, vinculação com o feto, atividades preparatórias e percepção realista do recém-nascido (Spielvogel e Hohener, 1995). Logo, mulheres que descobrem que estão grávidas somente na hora em que estão parindo ou em um estágio avançado da gravidez, possivelmente passaram por algumas poucas ou nenhuma dessas fases, o que tende a ser prejudicial.
A falta de preparação prévia pode aumentar as chances de a mulher desenvolver transtornos mentais pós-parto, como a depressão pós-parto ou transtorno de estresse pós-traumático. A mulher que se vê mãe de forma inesperada pode sentir-se sobrecarregada e incapaz de lidar com a situação, o que pode gerar sentimentos de inadequação ou culpa. A impossibilidade de se planejar ou de ter se mentalizado sobre a maternidade pode aumentar a dificuldade de adaptação à nova realidade, tornando o processo de ajustamento emocional mais lento e doloroso.
A descoberta tardia de uma gravidez pode desencadear ou intensificar transtornos mentais. Alguns dos mais comuns incluem:
Além dos transtornos mentais, a gravidez silenciosa pode impactar a saúde emocional da mulher de outras formas, como:
As mulheres que não sabem que estão grávidas podem:
O acompanhamento médico e psicológico é essencial para mulheres que recém descobriram uma gravidez silenciosa. Um psiquiatra especializado em saúde mental perinatal pode oferecer suporte para lidar com as implicações emocionais, enquanto o obstetra cuida da saúde física da mãe.
É frequente haver relatos de mulheres com “problemas” ginecológicos como Síndrome dos ovários policísticos ou endometriose, ou mesmo de mulheres que usam pílula anticoncepcional, e só descobrem a gravidez tardiamente. É importante não desprezar o risco de gestar, mesmo nessas condições.
Ter uma rede de apoio formada por familiares, amigos ou grupos de suporte é fundamental para que a mulher se sinta acolhida e compreendida. Conversar abertamente sobre seus sentimentos e desafios pode ajudar no processo de adaptação.
A gravidez silenciosa é um fenômeno complexo que envolve aspectos psicológicos, fisiológicos e sociais. A mulher que vive essa experiência precisa de compreensão e apoio para lidar com os altos e baixos emocionais que surgem de uma gravidez e maternidade não planejadas. A ajuda de profissionais, como psicólogos ou psiquiatras, pode ser essencial nesse momento para ajudar na recuperação emocional e na construção de uma relação mais saudável com a criança. A adaptação à maternidade pode ser um processo ainda mais complexo quando ocorre de supetão, mas com o apoio certo, a mulher pode encontrar maneiras de se reestruturar emocionalmente e construir uma relação positiva com sua nova realidade.